FESTA DO DIVINO

FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO

por Guilherme Veiga
GUILHERME VEIGA
é membro da  Irmandade do
Senhor Bom Jesus dos Passos e
membro da Organização Vilaboense
de Artes e Tradições (OVAT).
É graduado em Artes Plásticas e
Mestrando em Cultura Visual pela
Faculdade de Artes Visuais da UFG.


“Festa de pompa e de arromba, de imperador, capitão do mastro e alferes da bandeira, cabendo sempre tais honras e mercês, a gente de prol e recursada do lugar. Festas de novenas, tríduos e procissão, fogueiras, lanternas e luminárias, levantamentos de mastro, folias, congadas, danças de taieira, corridas de cavalhadas e fogos de vista.”
Cora Coralina

A província de Goiás estava ligada à prelazia[1] do Rio de Janeiro que foi elevada a bispado em 1676. Foi somente em 1745 (data da fundação da irmandade do senhor bom Jesus dos Passos, que atua até hoje nas organizações de procissões, principalmente no período da Semana Santa) que a capitania de Goiás foi elevada à prelazia e no ano de 1827 tornou-se finalmente bispado, ou seja, passou a possuir sede própria, que é denominada diocese (ALENCASTRE, 1979).

Sempre muito católica, a cidade de Goiás possui várias Igrejas de cujas Irmandades hoje apenas restam lembranças. As Irmandades mais lembradas são: Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos; Irmandade de Santa Luzia (Classe operária), essas ainda existentes; Irmandade de Santa Cecília; Irmandade do Sagrado Coração de Jesus; Irmandade dos Homens Pardos, dentre outras. “As irmandades eram associações de pessoas que veneravam o mesmo santo, constituindo grupos sociais ligados a interesses profissionais e laços étnicos”. (ROCHA, 2001, P. 63). 

Não podemos ignorar aqueles que foram considerados como verdadeiros líderes, homens eruditos e fiéis seguidores das leis da igreja e do estado, profissionais que se dedicavam às atividades de maior importância para a comunidade, entre as quais se pode destacar grandes encontros de sociabilidades, como festas religiosas locais. São lembradas as figuras do Bispo Dom Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, que em 1834 recebeu a primeira coroa do Divino Espírito Santo, vinda da corte imperial; e o cônego José Iria Xavier Serradourada que, em 1872, organizou o primeiro sorteio do grupo que formaria o primeiro império do Divino Espírito Santo na cidade de Goiás, sendo ele próprio o Imperador Sorteado, conforme conta a tradição.

A Festa do Divino Espírito Santo é uma das festas que vieram para o Brasil através da colonização portuguesa e, no início, foi praticada de acordo com os costumes europeus, mas foi ao longo dos tempos reelaborada, tornando-se uma mistura que resultou no sincretismo de diversas práticas africanas e indígenas. O historiador Paulo Bertran (1997) notifica que: 
"No dia 10 de maio de 1781 chegaram ao Rio Claro, 6 homens de guerra... com 237 pessoas da nação entre homens, mulheres e crianças, acompanhadas de 2 caciques que os vinham  regendo, e todos incorporados com o velho, entraram na Vila  em 19 do mês de maio. (...) S. Exa. Os recebeu com igual pompa que da primeira vez. Foram aquarteladas e tratadas com muita grandeza, e em 38 dias que estiveram na Vila, não lhes faltou que admirar, porque sucedeu cair nestes dias a Festa do Divino Espírito Santo, em que os pretos fazem a grande festa do N. Sra do Rosário e S. Benedito, para o que tem facilidade de andarem pelas ruas mascarados , com danças as quais fizeram uma dança de Caiapó, do que eles gostaram muito, depois da admiração, da decência e pompas das Procissões." (BERTRAN, 1997, p.63).
Embora não tenha encontrado, ainda, descrições do período colonial que atenda as expectativas etnográficas sobre a festa de Pentecostes da Cidade de Goiás, é relevante este relato de Saint-Hilaire  (1975, p. 104/105):

"(...) Mas não tanto a devoção que atrai para ali essa multidão de gente, e sim o variado programa das festividades. Com efeito as comemorações não se limitam apenas a uma missa cantada e a um sermão. Soltam-se também bombas de foguetes, (...) – divertimentos profanos que se misturam às solenidades religiosas, como ocorre na festa de Pentecostes. Os que figuram na ópera e no torneio pertencem geralmente às famílias mais abastadas das vizinhanças. (...)."
Emanuel Phol (1976), viajante, que esteve na Província de Goiás por volta de 1819, e se horrorizou com o esvaziamento de cidades inteiras que se deslocavam para as fazendas acompanhando as folias de reis e do Divino Espírito Santo. Silva e Souza (1967), no mesmo período, ou seja, entre 1800-1819, descreve que as festividades mais solenes da antiga capital sempre foram a de Semana Santa, a do Divino Espírito Santo, a da Senhora do Rosário, a da Senhora D’Abadia e a do Natal.
Conta-nos a história que, em 1200, um abade publicou na Calábria uma versão do Evangelho, denominando-a “Evangelho Eterno”, segundo o qual a história universal estava dividida em três grandes períodos: o de Deus Pai, em que o homem estava submetido à servidão da natureza; o de Deus filho, intermediário entre a carne e o espírito e finalmente o reino do “Espírito Santo”, o tempo do saber e do conhecimento.

Espírito Santo é uma denominação dada pela teologia cristã a uma das pessoas da Santíssima Trindade. A “Festa” do Divino, assim denominada popularmente, está no Calendário cristão para comemorar “Pentecostes” e contam-se 50 dias após a Páscoa ou ressurreição. Representando a descida do Espírito Santo em forma de chamas de fogo sobre a cabeça dos apóstolos quando se encontravam reunidos. (Atos dos Apóstolos, 2-14) “E apareceram-lhes uma língua de fogo, que se repartiu, e pousou sobre a cabeça de cada um. E ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em várias línguas como o Espírito Santo lhes permitia que falassem”.

Em 1233, quando a Itália se achava assolada pela peste e pela guerra um monge organizou uma marcha sobre Roma, em defesa da paz, carregando uma pomba como o símbolo do Espírito Santo, criando assim essa simbologia, que vem até nossos dias.  O culto do Divino Espírito Santo foi introduzido em Portugal pela rainha de Santa Isabel (1271-1336) no século XIII, quando Portugal e Espanha estavam em guerra:

Para que houvesse paz, essa rainha fez uma  promessa de alimentar os famintos, vestir os nus, como também, oferecer sua coroa ao Divino Espírito Santo. Alcançada a graça, a suplicante, no domingo de Pentecostes, ofereceu à igreja sua coroa e distribuiu alimentos e roupas aos pobres. Desde então, repetiu esse gesto a cada ano, criando uma tradição que se espalhou por outros lugares. A cada ano, era maior a repercussão. As promessas feitas durante o ano eram pagas nas festividades do Espírito Santo. "As funções, milagrosa e caritativa, traço predominante no ato da rainha, permanecem até hoje como elemento indispensável às manifestações do Espírito Santo." (PASSOS,1991).
      
As Festas do Divino Espírito Santo são extremamente ricas em material simbólico. A riqueza do programa festivo assume múltiplos arranjos, desde a amplitude de um ritual anual preparatório para a semana festiva, até os modestos esforços dos devotos para festejar, ainda que “pobremente”, o Espírito Santo de Deus. Sendo uma manifestação popular, representa um somatório de elementos sociais que fazem parte da vivência coletiva do homem que, por isso mesmo, atua movido por forças interiores cuja compreensão só pode ser percebida pela apreensão de sua história cultural.

A notícia mais antiga dessa festa encontra-se no livro tombo da igreja Matriz de Guaratinguetá, folha cinco, ano de 1761. Os festeiros eram sempre um casal pertencente” à elite “agrária. (...) Em 1745, na Bahia, temos outras das mais remotas notícias sobre a festa do Divino, com Manuel Quirino, em Bahia de Outrora”. (Apud PEREIRA & VEIGA JARDIM, 1978, p.22/23).
No início do século XIX, as festas do Divino Espírito Santo se multiplicaram no Brasil, especialmente quando o Rei de Portugal para aqui se refugiou com toda sua família. “Diz-se que a popularidade do Divino era tamanha que José Bonifácio, o patriarca da Independência, teria sugerido a D. Pedro que usasse o título de Imperador, pois o povo estava bastante familiarizado com o título, por causa da festa”. (PEREZ, 2000, p. 45).

Tanto José Ramos Tinhorão (1999) quanto Carlos Rodrigues Brandão (1978 & 1975) e Mônica Martins da Silva (2001) são unânimes em relatar que, nas embarcações marítimas do século XVI, fazia-se presente a festa do Imperador, um costume forte de Portugal, que o Brasil herdou. Essa Festa ocorria na ocasião das comemorações ao Divino Espírito Santo e se realizava de forma solene. Costumava-se, em honra desse dia, eleger um Imperador na nau, a quem todos serviam, desde o capitão até os demais, por todo aquele dia. Havia também missas cantadas e mesa com comida farta para toda a gente da nau, vestida de festa, como na corte de sua majestade. Vestiam-no ricamente e depois lhe colocavam na cabeça a coroa imperial. Escolhiam-se também fidalgos, criados e oficiais para suas ordens, de modo que até o capitão ou outro fidalgo podia ser nomeado mordomo da sua casa. Faziam-se altares (grifos meus) na proa da nau, por ali haver mais espaços, com belos panos e prataria (grifos meus). Levavam então o imperador à missa, ao som de música de tambores, e ali ele ficava sentado numa cadeira de veludo com almofadas, de coroa na cabeça e cetro na mão, cercado pela ‘corte’ (SILVA, 2001, p.22).

A Festa do Divino Espírito Santo é um evento tradicional, na antiga Vila boa. O Ato de representar este culto, num ciclo contínuo e anual, é uma representação de um passado secular vinculado a um presente compartilhado por uma fé cotidiana. As primeiras comemorações na cidade são datadas antes da chegada da “Coroa” doada por D. Pedro II à província de Goiás.

Segundo consta[2], a primeira coroa chegou à cidade de Goiás em 1834, e foi entregue ao presidente da Província José Rodrigues Jardim, ( pai da esposa de José Joaquim da Veiga Valle)

É válido ressaltar que a coroa chegou a Goiás em 1834, mas segundo relatos de pessoas da cidade, lá já existia comemorações da Festa do Divino. Isso nos é confirmado com relatos de viajantes como Saint-Hilarie. Devido a isso, atribuo que antes dessa época já havia em Vila Boa, comemorações da Festa do Divino.

A comparação entre três imagens, sendo uma gravura de Burchell, de 12-5-1828[3], com uma fotografia de 1912 na porta da igreja de Nossa Senhora da Boa Morte[4] e outra fotografia de 2007 tirada na porta da nova edificação da Catedral de Sant'ana, parece se tratar da mesma bandeira de mastro que ainda é usada no período das comemorações da Festa do Divino, o que reforça as suspeitas de que em Vila Boa já existia as comemorações da Festa do Divino, mesmo antes da chegada da coroa.


Pude notar que, na gravura, aparece uma bandeira de mastro na porta da catedral de Sant'ana. Se levar em consideração a “forma” da bandeira o “desenho geométrico” de sua estrutura, parece se tratar da mesma.


Fonte: CRAVEIRO, J. 1994

Fonte. COUTINHO, Cidinha. 1997


Nos dias de hoje, as primeiras comemorações da festa começam no domingo de Páscoa, também chamado de Domingo de Aleluia, às quatro horas da manhã, com a procissão da Ressurreição. Compõe esse ritual: músicas de aleluia que são entoadas quando a multidão segue o ostensório com a hóstia, representante de uma vida nova, a ressurreição de Cristo.

Às dez horas do mesmo dia, na catedral de Sant’ana, realiza-se a missa, onde o bispo benze as insígnias do Divino, e abençoa os foliões, para que possam começar a folia, que irá percorrer as casas da cidade durante três dias.



Antigamente mulheres não participavam da folia. Eram dois grupos de homens e mais a banda da polícia militar, dividida em dois grupos: branco e vermelho. À medida que a cidade foi crescendo, foi se tornando mais conveniente uma readaptação de todo o roteiro, fazendo com que assim fossem fundados outros “lados” de folia. Segundo Jaime Nascimento Costa, em 1925, a cidade já tinha crescido e então o vigário, Monsenhor Joaquim Confúcio Amorim, e o Dr. José Maria Ramos Jubé traçaram um novo roteiro para a folia.

Por volta da década de 60, com a redefinição do trajeto da folia, houve a necessidade de aumentar mais insígnias, então, à coroa da igreja de Nossa Senhora D’Abadia. Mas em 1978, a artista plástica, restauradora e pesquisadora, a senhora Maria do Rosário Albernaz da Veiga Jardim ( 2008), por ser na ocasião seu filho Marcelo da Veiga Jordão, o imperador, com o sentimento de tristeza ao ter de passar a coroa para o novo festeiro, ela tirou o molde da coroa original fundida em prata, e mandou fundir em alumínio uma coroa para que substituísse a falta que a de prata faria em sua residência.

Três anos depois, ela mandou fundir mais três coroas sendo uma para Emília Mendes, Jaime Nascimento Costa e outra que ficasse acompanhando a original, para que a coroa de prata parasse de sair na folia e ficasse só para ocasião solene. Devido ao surgimento de novos bairros na cidade de Goiás, essas novas coroas também passaram a integrar a folia.



No ano de 2008, eu, Guilherme, vendo a necessidade de resguardar a coroa de prata, por motivo de segurança e por valor histórico, reuni as pessoas responsáveis pela festa, os representantes da “bandeira branca”: Maria do Rosário Albernaz da Veiga Jardim, Maria Carmem Ramos Jubé e Leonardo Vinícius Campelo; Bandeira e “bandeira vermelha”- Elci Aparecida de Souza elaboramos um termo de resguardo, entregamos a coroa de prata para a custódia do Museu de Arte Sacra da Boa Morte, saindo de lá somente para as comemorações durante a festa.

Todos os foliões, durante o percurso da folia, usam vestimentas chamadas de Opas. Cada lado de folia veste a cor que caracteriza o seu grupo, branco ou vermelho. Essas vestimentas fazem parte da Mala do Divino e cabe ao Imperador ir renovando-as  de tempos em tempos. Durante todo o percurso da folia, essas opas, às vezes, são revezadas com outros componentes do grupo de folia; caso as pessoas que estejam vestindo queiram fumar ou tomar alguma bebida alcoólica, afastam-se em sinal de respeito e seriedade, já que em muitas casas, quando a folia está passando, as pessoas já oferecem lanches com bastante fartura, doces, vinhos e licores, os foliões.

Quando a folia chega às casas, fazem-se orações em louvor ao Espírito Santo, pedindo bênçãos e proteções e renovando a fé. As pessoas depositam moedas de qualquer valor para ajudar na festa e às vezes, após depositar no interior da coroa a contribuição, retiram uma moeda de menor valor, para guardar como símbolo da sorte que trará mais prosperidade após aquela doação. E assim, a mesma moeda adquirida no ano anterior é renovada a cada ano que a folia é passada na casa. Quem não pode doar esmolas, doa galinhas, cana, etc.

O giro de folia na cidade de Goiás acontece durante três dias: domingo, segunda e terça-feira. Isso tem causado grande preocupação aos festeiros, pois a cidade tem crescido inversamente ao número de foliões. Sempre se usou, durante o giro da folia, rojões e foguetes para sinalizar onde o outro grupo está para marcar a hora de encerramento e para que não cruzem o caminho do outro. Segundo a crença popular, caso ocorra, o encontro pode trazer má sorte e culminar na morte de um folião ou algum morador da rua.

No fim de semana seguinte, a folia vai ao povoado do Bacalhau e de Areias, e quando é do gosto do Imperador, ele leva a folia para as fazendas e outros distritos próximos à cidade de Goiás, como: (Barra) Buenolândia, Caiçara, Colônia de Uvá e Águas de São João. E no final de cada dia, formam um grupo de pessoas e chefes dos grupos de folia para a contagem do dinheiro recolhido.

Em 1986, quando filho de Maria Veiga, foi imperador Marcos da Veiga Jordão ela resolveu levar até Goiânia a folia e visitar os Vilaboenses. Maria Veiga conseguiu seu objetivo maior ao levar essa folia a Goiânia, pois hoje em dia, todos os vilaboenses que residem em Goiânia, vão para Goiás por ocasião da festa do Divino.

Durante três finais de semana, vive-se  intensa movimentação de colheita de donativos e distribuição de amor e fé ao Divino, torna a ficar mais uns vinte e cinco dias reordenando o que coletou na folia e tem-se início o ritual mais intenso com a novena, já que a pré-novena é mais uma estratégia de agregação dos moradores dos diversos bairros da hoje Grande Vila Boa de Goiás.

No ano de 1994, no império de Djalma de Paiva Sampaio Neto, Frei Marcos Lacerda institui a pré-novena.

Após os nove dias de pré-novena, no décimo dia, às dezenove horas, os grupos se reúnem na porta da catedral de Santana, onde terá início a Novena do Divino Espírito Santo.


Elementos simbólicos vinculados a Festa do Divino Espírito Santo

A Pomba

A pomba é o símbolo do reconhecimento: o povo sobre o qual paira a pomba é o povo eleito”. Tal como na festa em Portugal. A pomba nem sempre representa a terceira pessoa da trindade cristã. O Espírito Santo do Pentecostes cristão é representado por “línguas de fogo”. A pomba é a materialização de Yaveh (hebreus). A pomba foi emblema dos fenícios; pode ser também a representação da pomba (do cordeiro da paz) que virá. Na cidade de Goiás, para a maioria das pessoas, a pomba representa a materialização do Espírito Santo de Deus.

Como símbolo maior do Imperador que temos em Goiás, a Coroa, a Salva e o Cetro. As demais insígnias fazem parte de seu império, mas são atribuídas, mais diretamente, a outros membros de seu grupo. O momento que o imperador recebe a coroa das mãos de seu antecessor (o que chamamos de posse), juntamente com duas bandeiras, a coroa ficará depositada na casa do imperador, em um trono, armado num cômodo e ali ficará durante todo o ano, aberto para visitas, saindo de lá somente para a festa, quando este mesmo trono será armado na igreja.

A Coroa

A coroa simboliza a realeza do Espírito Santo, ícone máximo de seu poder, na festa representa a mais alta investidura, ela é carregada pelo imperador, que foi escolhido para representar o Espírito de Deus durante a realização da Festa. Existem mais ou menos quinze réplicas da coroa para serem usadas durante o giro da folia.

A Salva e o cetro

A salva, uma bandeja de prata, simboliza fartura e prosperidade, na qual o festeiro recebe as oferendas e transporta a cora durante a festa. É ela que toca nas cabeças ao serem abençoados pelo Espírito Santo de Deus, é dentro dela que descansam a Coroa e o Cetro. O Cetro simboliza o poder de mando e decisão, também carregado pelo imperador de modo atravessado no vão da coroa. Na passagem do império para o novo imperador, na quinta-feira de Corpus Christi, ao entrar na igreja para a troca das insígnias, antes de ser empossado, o novo imperador entra com o cetro na mão.

As bandeiras

Existem três tipos de bandeiras do Divino: a que é colocada no mastro que é armada em um quadro, que sustenta o tecido onde se acha aplicada em bordado finíssimo à figura da pomba que representa o Espírito Santo. As outras onze bandeiras com igual bordado são colocadas em um varão para saírem na folia, sendo que dessas onze, duas ficam no trono na casa do Imperador e uma acompanhando o alferes da bandeira. E outras vinte bandeiras que são apenas pintadas, para serem usadas durante a pré-novena.

Mastro e pau de sebo

O Mastro e o pau de sebo são confeccionados do tronco de uma árvore chamada de nó-de- porco. Ao ser retirada, recebe boas mãos de tinta vermelha, cor oficial ligada ao Divino Espírito Santo, com objetivo de reportar às línguas de fogo do Pentecostes.

A preparação do pau de sebo é um ato simbólico de louvor à fartura. Na cidade de Goiás ele é bastante besuntado de gordura de vaca derretida que o torna absolutamente escorregadio. Balões vermelhos são pendurados em seu ápice, trazendo dentro diversas prendas, inclusive cédulas de diferentes valores.
Verônica

A verônica é feita da mesma massa do Alfenim[5] “Massa branca de açúcar e clara de ovo batido com que se enfeitam bolos. Tudo o que é muito alvo e dedicado, mãos de alfenim, rosto de alfenim. Árabe _ al-fanid”

A partir dos mesmos moldes de verônicas[6] (imagens gravadas com a pomba), representa-se a imagem do Divino Espírito Santo, distribuída após a missa de Pentecostes com a função de selar a comunhão entre os devotos do Divino Espírito Santo e o encerramento de mais um ano de festejos.

Altares

Na igreja, durante a festa é montado um altar, denominado de trono, que resguarda as insígnias, durante os nove dias de comemorações da festa. Esse altar é montado cada ano de forma diferente, conforme o gosto do Imperador. Nele é resguardada a coroa de prata, sustentada geralmente por um pedestal, e as bandeiras, com a efígie do Divino Espírito Santo bordadas, em veludo vermelho e com a pomba branca. Existe também um resplendor banhado em prata, com a pomba simbolizando o Divino Espírito Santo em forma de ostensório, que conforme o gosto do artista criador do trono, também é usado. Este é o objetivo principal do presente estudo, isto é, apresentar a produção de um altar realizado pelo presente pesquisador, para o ano de 2008.

O império do Espírito Santo

Imperador

O Império do Espírito Santo na cidade de Goiás é constituído de: um Imperador, um Alferes da bandeira, seis capitães de Mastro e nove  novenários.

No Brasil, assim como no litoral português a personagem central do culto é o imperador. A função do imperador constitui um epílogo de um negócio ou empreendimento bem conduzido, mas a motivação evidente é a busca do prestígio, junto à comunidade. Em certas localidades o imperador é coroado pelo próprio pároco, numa cerimônia imponente na igreja.  O imperador irá fazer desse acontecimento, realmente, um episódio marcante na vida dos devotos. Ser imperador não é atingir o plano do sagrado Divino, mas o de um poder que é próprio da compressão: o escolhido, honrado por Deus. O imperador é apenas um representante da realeza do Espírito de Deus. É uma investidura, como costumam dizer, o que significa uma honraria a ele determinada. É o imperador quem porta a coroa, sempre a depositando no trono ou altar, para assistir ao ritual, seja ele qual for. Cabe ao imperador, também denominado de festeiro, a coordenação e manutenção de todas as comemorações da Festa do Divino Espírito Santo, desde a folia até a entrega final das insígnias, quando se tem início um novo império.

Alferes da bandeira

Elemento responsável pela guarda da bandeira do mastro. Cabe a ele organizar o roteiro de visita da bandeira durante dois meses. Na época da festa, é encarregado da ornamentação da bandeira, do seu andor e da organização da procissão no sábado que antecede à festa, com velas e banda de música.

Capitães do mastro

Em número de seis, são responsáveis pelo preparo do mastro, do foguetório, do levantamento do mastro e também, se quiserem, da queima de fogos de artifício.

Novenários

São os responsáveis pela novena, ou seja, uma para cada dia. Ajudam o imperador na organização do trono e na compra de foguetes para animarem o seu dia. Esses cargos foram introduzidos na década de 50 pelo frei Dominicano Frei Reginaldo Orlandini.


Celebrações e festejos: folia, pré-novena, hino, serenata, levantamento da bandeira, sorteio e posse

Folia

A folia também chamada de precatório, ou ritual de peditório, tem como objetivo arrecadar donativos para ajudar o Imperador a fazer a festa. A folia, afirmam os foliões, é tão antiga quanto a festa do Divino. Mas não sabem dizer exatamente quando começou. Todas as pessoas que acompanham a folia seguem com seriedade. Estão ali por uma promessa em acompanhar e ajudar arrecadar donativos ou porque seguem uma tradição de seus antepassados, que também participavam desse ritual. Observei fisionomias e atitudes de grande demonstração de fé, seriamente compartilhadas entre foliões, pessoas que, no dia da passagem da folia, recusam-se a se ausentar de suas casas, sem antes beijar a bandeira do Divino e colocar oferenda na coroa, fazendo seus pedidos de saúde e prosperidade. Pessoas que ajoelhadas, recepcionam as insígnias em suas casas.

Os ritos da folia se fundamentam numa concepção do sagrado, onde se agregam foliões e moradores numa rede complexa de relações simbólicas, remetendo-nos a estudos do sagrado e ações de sacrifícios, enquanto uma das formas de reciprocidade entre o sagrado e o profano.

Pré-novena

O ritual da pré-novena se constitui da seguinte forma: elege um representante para cada uma das regiões da cidade, por sua vez esse eleito vai consultar em seus bairros quem desejaria participar desses nove dias do pré-novena. Junto, esse grupo de participantes vai até a Matriz de Sant’Ana e participa da distribuição das insígnias que irão para cada bairro destinado. Ao pegarem suas insígnias, cada grupo segue para seu bairro e estarão distribuídas as nove casas que irão receber as insígnias e os convidados.

Hino

Segundo o folder informativo da OVAT, o hino é uma composição oficial datado de 02/09/1859. É cantado após a benção final na missa, durante todos os dias da novena. Durante a serenata é cantado na casa dos guardiões do Império.

Serenata

Serenata - A Festa do Divino é uma festa de data móvel, ou seja, não possui data fixa. No oitavo dia que antecede à festa, na sexta-feira, as vinte e três horas na casa do imperador, sai a serenata do Divino. Antes é servido um rico lanche, composto de salgadinhos e refrigerantes, para todos os presentes. A serenata percorre todas as igrejas e casas dos capitães do mastro e do alferes da bandeira. Em todas as casas são servidos lanches a gosto do anfitrião. É obrigatório cantar todas as estrofes do Hino na casa do imperador. Na casa dos demais que também fazem parte do império são cantadas apenas umas das estrofes. O percurso da serenata é um ciclo, que tem início na casa do imperador. Mesmo que a casa do imperador seja ao lado da matriz, ela deve fazer um ciclo, respeitando a hierarquia da festa.
Levantamento da bandeira

No nono dia da novena, no sábado, após a missa na catedral de Santana, ocorre o levantamento do mastro com a bandeira e do pau-de-sebo. As pessoas seguem da igreja até a casa do Alferes da Bandeira. Chegando lá, a bandeira que será hasteada no mastro está no andor, saindo de lá, desce em cortejo até a porta da Catedral de Sant'ana. Durante o percurso a banda de música do 6° BPM da polícia Militar toca cantos em louvor ao Divino Espírito Santo, e a população acompanha cantando cânticos populares, como “ Ó vinde em nós Espírito Santo” e  “A nós descei Divina luz”. Enquanto isso, na porta da igreja Matriz de Santana, acontece o pau-de-sebo que serve para entreter as pessoas que não foram até a casa do Alferes.


Fonte: COUTINHO, Cidinha 1996. acervo pessoal

Ressalto que Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro, em seu livro Reminiscências (Goiás de Antanho 1907/1911: 44-47), descreve a procissão da bandeira saindo de dentro da Igreja em procissão após a novena. Diferente de nossos dias atuais em que a procissão vem da casa do alferes.

Quando chega à Praça da Catedral, a bandeira é retirada do andor e colocada no mastro. A banda de música se posiciona de frente ao mastro e tocam-se marchas solenes para a subida do mastro. Nessa hora  estouram vários fogos de artifícios, que colorem o céu. Hasteado, todos querem socar o pé do mastro, pedindo alguma graça e moças solteiras socam para se casarem. Durante esse ritual no pé do mastro, são cantadas músicas populares como: “Capitão do mastro, cadê você. Tá debaixo da cama foi se esconder. Um gole de pinga, outro de licor. Capitão do mastro cadê o senhor?”.

Sorteio

Às seis horas, tem-se início a alvorada. A banda do 6º  BPM  percorre a cidade, tocando músicas. Vão até a casa do Imperador, onde toma-se um farto café da manhã. Às nove horas a banda de música retorna à casa do imperador para descerem em cortejo até a Matriz, acompanhado pela família, vizinhos e pessoas que estão se dirigindo até a igreja para a realização da missa solene, ou seja, a missa de Pentecostes. Chegando à igreja, é feita a entrada do imperador, segurando a coroa de prata; o alferes segurando a bandeira e a esposa do imperador segurando o cetro. Feita essa entrada, as insígnias são depositas no trono armado dentro da igreja, que esteve ali durante toda a novena. As insígnias permanecem ali até o fim da missa. Terminada a missa, acontece o sorteio para os novos festeiros do próximo ano. Segundo a tradição, só homem pode concorrer aos cargos. Esses nomes que serão sorteados foram recolhidos durante toda a folia e preparação da festa. Em um cálice de prata, é colocado o nome dos concorrentes, e no outro são colocados os cargos e papéis em branco. Acabado o sorteio, a cidade precisa conhecer quem irá comandar a festa no próximo ano, então o “novo” imperador, recém-eleito, e o “antigo imperador se dirigem ao trono, e o novo imperador segura o cetro e o antigo a coroa, e saem em cortejo até a casa do antigo imperador”. Às dezenove horas, acontece a procissão luminosa, com o resplendor do Divino. A procissão é composta pelos irmãos da irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos, e tanto antigo como o novo imperador acompanham a procissão da mesma forma. Um carrega a coroa e o outro o cetro. Assim também como o antigo e o novo alferes.

Posse

Após a realização da festa do antigo sucessor, é a vez do novo imperador. A posse acontece dez dias depois da realização da festa, no dia de Corpus Christi. Tem-se a procissão de Corpo de Deus, acompanhado pelos imperadores, e logo após a posse. O bispo chama o antigo e o novo imperador, assim também os antigos e os novos eleitos, e é feita a transferência da coroa. Tomada a posse, o antigo imperador faz a prestação de contas à população de todo gasto que foi feito com o dinheiro arrecadado durante a folia. São relatados quantos bois foram ganhos para a distribuição da carne, quantas cestas básicas foram distribuídas durante a festa. Após essa prestação de contas, o Imperador eleito, já portando a coroa nas mãos, assim como o alferes com a bandeira, saem da igreja e param na porta. Aí acontece a descida do mastro, que foi erguido no sábado que antecedeu à festa. O primeiro capitão do mastro recebe a bandeira e todos seguem em cortejo, ao som de muitos fogos de artifícios, até a casa do novo imperador, onde se encontra montado um trono, que ficará durante todo o ano com as insígnias do Espírito Santo e aberto à visitação pública. Após a execução do Hino, é servido um farto lanche e todos seguem assim para a casa do novo alferes. Como também do primeiro capitão de mastro.


Manifestações folclóricas: Os congos e tapuios

Congos

Descendentes de escravos, os congos são um grupo de folclore, que se apresentam ao do mastro. Segundo a folclorista Regina Lacerda representa uma guerra de conquista.



Tapuios

Há também a apresentação de outro grupo folclórico chamado de tapuios. Essa dança dos tapuios remete a uma possível origem indígena, cujas evoluções mantém características da vida tribal. Desde 1904, tem-se notícia de suas apresentações.  Esse grupo ficou desativado por vários anos. Foi então no ano de 2000 que Maria Veiga, por ocasião de seu filho Paulo Sérgio da Veiga Jordão ser imperador, resgatou a apresentação do grupo.

Logo depois o grupo foi extinto por falta de incentivo de outros imperadores. Neste ano de 2009, o então imperador Otaviano de Oliveira, em parceria com o “chefe” do tapuios, Sr. Tuxa criou o tapuio mirim, formado por crianças de escolas públicas.

No Livro “Reminiscências” de Ofélia Sócrates, referencia mais comemorações na festa do Divino, assim como a dança “Vilão” junto com congos e tapuios, e as cavalhadas, que ocorriam no campo do bairro João Francisco, mas hoje são extintas.